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27/08/2020

Nutrição aplicada à Ginástica Rítmica

Por  Dra. Renata Rebello Mendes


 

A ginástica rítmica (GR) é uma modalidade esportiva que exige graciosidade e leveza de movimentos, combinando a dinâmica corporal com o manuseio harmônico de aparelhos oficiais, como bola, maças, fitas, arcos e cordas. Por ser uma combinação de movimentos corporais de extrema dificuldade, com alto nível de habilidade no manejo de aparelhos, e ainda em coordenação com acompanhamento musical, a GR exige das atletas altos níveis de flexibilidade, força explosiva, coordenação, perfeição técnica, e expressões corporal e facial adequadas. Para desenvolverem tantas habilidades, ginastas rítmicas de alto rendimento costumam iniciar sua carreira esportiva aos seis anos de idade, e na adolescência, podem chegar a dez sessões semanais de treinamento, com média de oito horas diárias.

Diante dessa breve caracterização do cenário em que estão envolvidas as ginastas rítmicas, ficam subentendidas as razões pelas quais tais atletas tornam-se mais susceptíveis a riscos metabólicos e nutricionais, como deficiência de energia relativa no esporte (RED-S), desidratação, estresse oxidativo, e danos musculares, além das possíveis inadequações nutricionais encontradas em outras modalidades esportivas, como ingestão insuficiente de cálcio e deficiência de vitamina D.

            Nutricionistas que atuam na GR devem estar preparados para alcançar objetivos como melhora de performance, prevenção de lesões, alterações de composição corporal (com ênfase em emagrecimento), e principalmente, prevenção de deficiências nutricionais e doenças relacionadas.   

            No que se refere à avaliação nutricional, o trabalho é árduo. Para identificação dos prejuízos de saúde inerentes à RED-S, é fundamental verificar o ponto crucial dessa síndrome, ou seja, a baixa “disponibilidade de energia” (LEA – do inglês low energy availability). A disponibilidade de energia (EA - energy availability) é calculada como a diferença entre a ingestão energética total e o custo energético acrescido pelo exercício realizado naquele dia, em relação à massa livre de gordura (MLG). Importante ressaltar que se trata do gasto energético acrescido pelo exercício, e não todo gasto calórico durante o exercício. Em adultos acredita-se que um valor de EA próximo de 45 kcal/kg MLG/dia seja adequado para um equilíbrio energético. Prejuízos observados na RED´S costumam surgir em casos de EA <30 kcal/kg MLG/dia.

Considerando que a ginástica rítmica é uma modalidade que apresenta movimentos de alto impacto e elevada frequência de lesões, o baixo peso corporal pode ser uma meta de muitas atletas e equipe técnica, como forma de prevenção de sobrecarga sobre tecidos corporais; adicionalmente, a GR é considerada modalidade estética, além de exigir muitas horas de treinamento, o que implica em menor disponibilidade de tempo para alimentação. Esses fatores, em conjunto, podem culminar em baixa ingestão calórica, e o nutricionista deve estar atento para que a EA não esteja inferior a 30kcal/kgMMg.

Após investigar a principal causa das RED’S, é fundamental avaliar as suas consequências, tais como (1)disfunções reprodutivas, (2)desmineralização óssea, (3)função endócrina anormal, (4)anormalidades metabólicas, (5)prejuízo na função hematológica, (6)prejuízo de crescimento e desenvolvimento, (7)alterações psicológicas, (8)risco cardiovascular, (9)alterações gastrointestinais, e (10)prejuízo imunológico. Sugere-se ainda que sejam avaliados risco de desidratação, estresse oxidativo, danos musculares e deficiência de vitamina D, para que um amplo diagnóstico seja definido, norteando objetivos e condutas pertinentes.

Na definição de condutas, a oferta calórica deve ser definida de acordo com o gasto energético das atletas, bem como, considerando os objetivos da ginasta, no que se refere à sua composição corporal. Invariavelmente, a maior parte das atletas apresenta objetivo de emagrecer, e cabe ao nutricionista definir o limite entra a performance e a saúde da ginasta; o cálculo da DE pode ser um auxílio nessa definição. A velocidade de perda de peso (VPP) entre 0,5-1% /semana é um importante fator a ser considerado, bem como o cálculo do déficit calórico para se alcançar tal VPP.

Quanto à oferta de carboidratos, destaco que grande parte das recomendações e consensos científicos se baseia no endurance, o que se diferencia muito das sessões de treinamento da GR, que em geral são predominantemente intermitentes, com muitas pausas para correções de movimentos e manejos. Assim, é fundamental que o nutricionista conheça os detalhes dos microciclos de treinamento, para compreender a bioenergética relativa a essa modalidade, e então calcular a demanda de carboidratos para cada sessão de treinamento, além da oferta nas demais horas do dia.

A maior preocupação em relação às proteínas também se refere às informações encontradas em consensos e posicionamentos internacionais. Muitos trabalhos considerados nessas publicações são realizados com adultos, e na GR as competições em nível nacional começam ainda na infância. Na prática clínica é comum observarmos atletas ingerindo suplementos à base de proteínas, com doses recomendadas em rótulos; porém, na GR atletas costumam pesar menos de 50kg e não deveriam consumir mais de 110g de proteínas (2,2g/kg peso). Sendo assim, é necessária cautela na prescrição de alimentos protéicos e/ou suplementos de proteínas para ginastas, evitando-se excessos e possíveis efeitos colaterais.

As recomendações para ingestão de gordura para atletas são semelhantes ou ligeiramente superiores às recomendações alimentares para não atletas (cerca de 30% do valor calórico total). Porém, em planos alimentares que objetivam redução de corporal, o que é comum na GR, é aceitável que a gordura represente cerca de 20% do VCT, variando de 0,5 a 1g/kg/dia.

No que se refere a micronutrientes, nutricionistas que atuam na GR devem priorizar a investigação de possíveis deficiências, ou insuficiências, de vitamina D, ferro, cálcio, selênio, zinco e vitamina C. Vale ressaltar que atletas em geral não consomem calorias suficientes, bem como não ingerem quantidades adequadas de cada micronutriente. Desta forma, muitos nutricionistas esportivos têm recomendado o consumo de suplementos de múltiplas vitaminas e minerais de baixas doses durante períodos de treinamento intenso, e essa prática tem sido validada pela Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN).

A hidratação também é ponto de muita preocupação no cenário da GR, pois algumas atletas podem confundir a perda de peso observada durante as sessões de treinamento com um processo de emagrecimento. É fundamental que o nutricionista, nas suas estratégias de educação alimentar e nutricional, explique que a possível perda de peso observada entre o início e o fim de treinamento não é sinônimo de perda de gordura, e que a perda excessiva de água por meio da sudorese (>2% do peso corporal) pode culminar em perda de performance física e mental, reduzindo inclusive a coordenação e a tomada de decisões, o que na GR é bastante preocupante.

Referências:

Flessas  KMylonas DPanagiotaropoulou GTsopani DKorda ASiettos C, et al. Judging the judges' performance in rhythmic gymnastics. Med Sci Sports Exerc. 2015 Mar;47(3):640-8.

Kerksick, C.M., Wilborn, C.D., Roberts, M.D. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: research & recommendations. J Int Soc Sports Nutr 15, 38 (2018). https://doi.org/10.1186/s12970-018-0242-y

Mountjoy M, Sundgot-Borgen J, Burke L, et al. The IOC consensus statement: beyond the Female Athlete Triad—Relative Energy Deficiency in Sport (RED-S).British Journal of Sports Medicine 2014;48:491-497.


Renata Rebello Mendes 

Nutricionista consultora da Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica 

Doutorado em Nutrição Experimental - USP - 2006

Mestrado em Nutrição Experimental - USP - 2002

Docente do Depto de Nutrição - Universidade Federal de Sergipe 

Coordenadora do GENAE - Grupo de estudos em Nutrição Aplicada ao Exercício - UFS


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